Estatuto do Desarmamento

ESTATUTO DO DESARMAMENTO

Um estudo da Universidade Harvard mostrou que países com mais armas legalizadas têm menos assassinatos. Na Rússia, a taxa de homicídios era de 20,54 por 100 mil habitantes em 2002, quando havia 4 mil armas registradas por 100 mil habitantes. Em 2013, foram nove assassinatos – e 9 mil armas – para cada 100 mil pessoas.



Mais armas não quer dizer mais crimes

Os EUA têm a maior taxa de armas do mundo: 112,6 por 100 mil habitantes. Mesmo assim, o índice de crimes violentos vem despencando ano a ano. Em 2014, ano do último levantamento feito pelo FBI, a taxa foi de 386,9 ocorrências a cada 100 mil pessoas, o menor número dos últimos 25 anos.



A maioria das armas no Brasil é ilegal

Há 140 pontos de entrada de armas no Brasil. Mas a maioria delas é daqui mesmo. Oito de cada dez armas ilegais tomadas pela polícia são fabricadas no país. Portanto, mesmo com esses pontos de entrada controlados, os armamentos continuarão ao alcance de quem puder comprá-los.



O estatuto não funciona

O número de mortes por armas de fogo aumenta ano a ano no Brasil. Em 2003, quando a lei foi aprovada, 39.325 pessoas perderam a vida assim. Nove anos depois, em 2012, o número subiu para 40.077 homicídios. Atualmente, o Brasil tem 19 cidades na lista das 50 mais violentas do mundo.


“Nas promotorias criminais, há milhares de inquéritos em que cidadãos de bem, que portam arma como única forma de defender seu patrimônio, sua família e o meio em que vivem, são fichados como autores de crimes. ” Luciano Vaccaro, promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Arma em casa aumenta o perigo

Um estudo do FBI mostrou que para cada pessoa armada que é bem-sucedida ao reagir a um crime, 185 morrem no caminho. Em outra pesquisa, também do FBI, a cada homicídio causado por autodefesa, 34 pessoas são assassinadas, 78 se suicidam e duas morrem devido a despreparo no manejo de armas.



Armas caem nas mãos erradas

Segundo a Polícia Civil do Rio de Janeiro, 30% das armas apreendidas de criminosos foram adquiridas de cidadãos com porte legalizado. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo revelou que, entre 1993 e 2000, mais de 100 mil armas foram perdidas, roubadas ou furtadas. Revogar o estatuto significaria ter mais armamentos perdidos.



O estatuto é efetivo

De acordo com dados do Sistema Único de Saúde (SUS), antes de 2003, ano em que a lei entrou em vigor, 8% de todos os homicídios no Brasil eram causados com armas de fogo. Após 2003, a taxa caiu para 0,5%.Essa queda significa que cerca de 120 mil vidas foram poupadas no país.



Mais armas quer dizer mais crimes

Pesquisas de três universidades diferentes (USP, PUC Rio e FGV) revelam que a taxa de homicídios nas cidades está atrelada com a disponibilidade das armas de fogo. Os mesmos estudos destacam também a ineficácia dos armamentos em impedir a realização de crimes. Ou seja, ter uma arma não deixa ninguém mais seguro.


“O Estatuto aumentou o rigor da punição de quem era pego com armas, o que mudou o hábito de quem vivia em ambientes violentos. É uma medida fundamental para alterar o contexto de escolhas homicidas, decisões homicidas. ” Bruno Paes Manso, jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.


Brasil do passado

Imagine um país onde qualquer pessoa com mais de 21 anos pudesse andar armada na rua, dentro do carro, nos bares, festas, parques e shoppings centers. Em um passado não muito distante, esse país era o Brasil. Até 2003, aqui era possível, sem muita burocracia, comprar uma pistola ou um revólver em lojas de artigos esportivos, onde as armas ficavam em prateleiras na seção de artigos de caça, ao lado de varas de pesca e anzóis. Grandes magazines, como os hoje finados Mesbla e Sears, ofereciam aos clientes registro grátis e pagamento parcelado em três vezes sem juros. Anúncios de página inteira nas principais revistas e jornais anunciavam promoções na compra de armas, apelando para o já existente sentimento de insegurança da população: “Eu não teria medo se possuísse um legítimo revólver da marca Smith & Wesson”, dizia um deles, com a imagem de uma mulher assustada dentro de casa. Outra propaganda, da empresa brasileira Taurus, dizia “passe as férias com segurança”.



Brasil do passado 1.2

E as coisas foram assim por décadas. As empresas fabricantes de armas e munições, assim como ocorre nos Estados Unidos, financiavam campanhas de políticos com doações milionárias. A prática não se perdeu, entretanto. Até as eleições de 2014 ainda era possível encontrar no site do Tribunal Superior Eleitoral registros destes aportes feitos por indústrias bélicas, que ajudaram a fortalecer a bancada da bala do Congresso. O porte de armas era tão comum que em alguns Estados os locais públicos eram obrigados a oferecer uma chapelaria exclusiva para guardar os revólveres ou pistolas dos clientes. Uma lei de 2001, aprovada no Rio de Janeiro, por exemplo, estipulava que “casas noturnas, boates, cinemas, teatros, estádios escola de samba e outros estabelecimentos do tipo possuam, em suas instalações, guarda-volumes apropriados para o depósito de armas”. Nestes lugares era proibido o acesso portando armamentos.



Uma possibilidade

O tema é sensível, uma vez que um grupo de deputados e senadores quer voltar para os velhos tempos, quando era possível comprar armas com facilidade. O tema ganha eco também em alguns setores da sociedade que enxergam no direito de se armar – e a reagir à violência — uma possibilidade de “salvar vidas”.

Daniel Cerqueira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, explica que uma grave crise econômica ocorrida durante a década de 1980 ampliou a desigualdade social e foi um dos fatores responsáveis pelo aumentos das taxas de homicídio. “O que observamos é que a partir dessa que ficou conhecida como a década perdida, há uma falência do sistema de Justiça e Segurança Pública, e as pessoas, no meio desse processo, começaram a comprar mais armas”, explica. Isso fez, segundo Cerqueira, com que o ciclo de violência se autoalimentasse. “Quanto mais medo as pessoas sentem e mais homicídios ocorrem, mais elas se armam. Quanto mais se armam, mais mortes teremos”, afirma. Ele destaca que ao contrário do que frequentemente se diz, a maior parte dos crimes com morte não são praticados pelo "criminoso contumaz", e sim "pelo cidadão de bem, que em um momento de ira perde a cabeça".

Nem todos concordam com Cerqueira. “As pessoas se sentiam mais seguras naquela época”, afirma Benê Barbosa, um dos mais antigos militantes pró-armas do Brasil. Fundador do Movimento Viva Brasil e pioneiro em fazer frente ao Estatuto do Desarmamento e à “restrição do direito” de porte, ele afirma que o crime que mais preocupava era "o furto". "Na década de 1970 eu morava no litoral de São Paulo, na Praia Grande, em um bairro de ruas de terra. No verão todo mundo colocava as cadeiras na calçada e ficava conversando, ninguém tinha medo de fazer isso” relembra. De acordo com Barbosa, nos anos de 1990 deveria haver “aproximadamente meio milhão de pessoas armadas em São Paulo, e você não tinha bangue-bangue nas ruas”. Para ele, o Estatuto do Desarmamento “elitizou” a posse de armas, ao instituir a cobrança de taxas proibitivas. “Antigamente era comum pessoas de baixa renda comprarem armas. Hoje só em exames e papelada você gasta mais de 2.000 reais, dependendo do Estado”, diz.

Barbosa relembra ainda que em alguns Estados, como Minas Gerais, era possível comprar munições de baixo calibre e pólvora em lojas de ferragens e elétrica. Até 1997, o porte ilegal de arma de fogo era enquadrado apenas como uma contravenção penal, uma ofensa menor (assim como o jogo do bicho), com pena de 15 dias a seis meses de prisão ou multa – prevalecendo na maioria dos casos a segunda opção. Naquele ano foi aprovada uma lei que criminalizou o porte sem autorização devida – mas mesmo assim ainda era relativamente fácil comprar um revólver.



Mercado armamentista no brasil

Acessórios fashion também tinham um tratamento especial para receber as armas. Era comum que as bolsas (principalmente masculinas), valises e maletas executivas viessem com um coldre em seu interior, um local específico para guardar a arma. E alguns fabricantes de veículos tinham modelos que já saiam de fábrica com um compartimento no forro da porta ou no porta-luvas para acomodar a pistola do motorista.

Uma das categorias profissionais que mais investia em armas como forma de proteção eram os taxistas. À época não era aceito pagamento com cartões, e os aplicativos de celular ainda eram um sonho distante. Assim, o dinheiro vivo corria solto. Natalício Bezerra Silva, 81 anos, na profissão desde os 22, lembra com pesar os muitos amigos “de praça” [ponto de táxi] que perdeu em tentativas de reação a assaltos. “Um deles foi morto com a própria arma. O ladrão estava no banco de trás, anunciou o assalto, e ele tentou pegar o revólver. O assaltante tomou dele e o matou”, recorda. Além disso, o taxista também lembra o fascínio que as armas exerciam sobre os colegas: “O sujeito ficava mostrando o revólver para todo mundo na praça”. Atualmente Natalício é presidente do Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo. “Às vezes o cara matava alguém por uma besteira. Se estiver sem arma e com paciência, esfria a cabeça e já era”.




Cultura não armamentista

A falta de controle e de cultura de auto-defesa, porém, é algo que também jogaria contra a tese do rearmamento da população. O caso do adolescente de Goiás que matou dois colegas de classe há dez dias, após carregar a arma dos pais policiais para a escola sem o conhecimento deles, mostra que a facilidade do acesso abre outros perigos. Neste final de semana, na cidade de Niterói, na Grande Rio de Janeiro, o assunto também ganhou força. O prefeito Rodrigo Neves (PV) decidiu perguntar à população, por meio de um plebiscito, se a guarda municipal deveria andar armada para ampliar a segurança nas ruas. A ideia do prefeito era encontrar apoio para a medida, num momento de forte violência na capital do Estado. Mas o resultado da votação frustrou Neves. Dos quase 19.000 eleitores que compareceram às urnas, 70% foi contra o armamento da guarda municipal, contra 28,9% que votaram a favor da proposta. A eleição era facultativa, e contou com 5,1% das pessoas que poderiam votar no pleito.